Se compilados os fatos que culminaram em minha saída teríamos um enorme livro. Infelizmente esta obra traria um enredo angustiante envolvendo os principais personagens de minha vida: minha família e meus amigos.
Caros leitores, tentarei criar um relato legível tanto para os que estão inseridos no contexto da comunidade VV quanto para os que, felizmente, nunca fizeram parte dela. Tentarei ainda abordar alguns fatores afetivos e psicológicos que levou cada um de nós a delongar tanto nossa decisão em sair.
Meus primeiros contatos com a doutrina VV se deram no final de minha infância/ início da adolescência (época ideal para definição de vários aspectos da personalidade).
Sempre ansiei por conhecer a Deus e a Palavra dEle e por isso desde cedo comecei a “assumir responsabilidade” “dando minha vida”. Eu amava muito aquele povo e fazia de tudo para ajudar e contribuir com o bom andamento da instituição. Era extremamente “submissa” e solicita, pois tudo o que eu queria era “fazer parte do mover de Deus na face da Terra”.
Durante o tempo que passei lá me envolvi em várias atividades da instituição. Isso aconteceu com todos os que representam suas famílias neste blog. Nos envolvemos cegamente em tudo, pois a única coisa que queríamos era a “vontade de Deus”.
O envolvimento foi tão grande que chegou num ponto no qual era impossível separar nossas vidas pessoais do contexto da comunidade. Não havia vida pessoal, não havia individualidade. Vivíamos pela instituição e em prol dela.
Os encontros, reuniões e atividades ocorrem praticamente todos os dias. Todos estudam e trabalham juntos. (Há casos isolados nos quais é permitido a algumas pessoas estudarem ou trabalharem fora do contexto da instituição. Estes são extremamente monitorados ou em certos casos são tidos como pessoas “não confiáveis”). Os casamentos só ocorrem entre os membros da instituição... Tudo isso leva os adeptos a pensar que não há vida e felicidade fora dos limites da comunidade VV...
Sob o pretexto de “passar pelos tratamentos de Deus” e ainda utilizando o verso no qual Jesus disse que nossa família e amigos são aqueles que fazem a vontade do Pai; muitos de nós saímos de nossas casas (do contexto familiar) e fomos morar nas casas dos “ministros de Deus”. Costumávamos também chamar de pai/mãe àqueles que claramente se impunham como “autoridades sobre nossas vidas”. Infelizmente, sem nos darmos conta, estávamos destruindo os laços fraternos e cada vez mais nos entregando ao sistema que hoje oprime e destrói nossas famílias.
A comunidade VV sempre se intitulou como uma comunidade Cristã, mas sempre teve doutrinas muito distantes dos escritos Bíblicos. Infelizmente entramos para a instituição no princípio dela e aos poucos as doutrinas heréticas foram sendo introduzidas. As doses de lavagem cerebral eram homeopáticas, por isso tranquilamente assimiladas por nossos organismos sedentos da “vontade de Deus”.
Agressões físicas e psicológicas, anulação da personalidade, separação das famílias, abuso de autoridade... Tudo isso sempre fez parte do cotidiano da instituição, porém desde 2008 quando líderes da sede norte americana estreitaram seus laços com a filial de São Joaquim de Bicas tudo piorou. Neste ano começaram meus questionamentos mais profundos.
Sempre foi claro que à partir do momento que algum questionador abandonasse a instituição um enorme abismo se estabelecia entre as partes. A comunicação é vedada entre os adeptos e os desertores. Logo, dependendo do grau de envolvimento com a comunidade, o desligamento significa um bravo ato de coragem, pois implica na perda da família, dos amigos, do emprego, enfim, da história de vida.
As correções que recebíamos, as orações que fazíamos, os louvores que cantávamos, os versos bíblicos que ouvíamos... TUDO nos induzia a ficar. Orávamos e chorávamos juntos. Era tudo muito “lindo”... Como abrir mão de uma realidade tão “pura” e “segura” onde todos querem fazer tão somente a “vontade de Deus”? Como largar toda sua vida e se aventurar num mundo desconhecido e tão mal pintado? Por não encontrar respostas seguras a essas questões aos poucos nos distanciávamos de nossas famílias e do mundo e nos sentíamos cada vez mais aceitos e acolhidos dentro do grupo.
A abnegação e conseqüente alienação nos fazia viver em um mundo paralelo criado e completamente manipulado pelos líderes da comunidade VV. Era permitido a alguns de nós transitar nos “dois mundos”, mas a consciência era tão modelada e restrita que não conseguíamos ir além do que nos era permitido.
Durante os louvores afirmávamos enfaticamente frases do tipo: “eu não me moverei, tal como a árvore, plantada junto às águas, sempre estarei...”; “até aqui pudemos chegar, não vamos retroceder... não vamos parar, nem desistir”; “não nos prostramos, dobramos ou desistimos”. Todas essas frases eram formas de afirmação da doutrina que sutilmente nos persuadia a permanecer e a lutar. Permanecer pra quê? Lutar pelo quê? Para sermos um povo “peculiar”, “especial”, “uma geração santa”. (Qualquer coincidência com os fundamentos da doutrina nazista talvez seja mera semelhança).
Sabíamos que vivíamos em “outro mundo” e o pior, éramos felizes e orgulhosos por isto! Em nenhum outro lugar (a não ser na sede e demais filiais) havia um povo como aquele! Tínhamos certeza que estávamos no caminho certo, pois éramos a minoria e estávamos constantemente sendo “perseguidos”. Quanto engano e alienação!!! Hoje entendo claramente que a “perseguição” que sofríamos era decorrente dos escândalos que o estilo de vida que nos era imposto causava.
Quando havia “ímpios” em nosso meio éramos induzidos a mostrar o quanto éramos felizes por sermos parte do povo “especial de Deus”. Na presença de não adeptos a atmosfera de terror que dominava o local durante os cultos se findava. Bastava um comando e tudo voltava à normalidade. Nos submetíamos a isso, pois “abrir portas para que ímpios espiassem nossa “liberdade” seria como dar pérolas aos porcos”... E todas essas desculpas nos mantinham lá... Elas inconscientemente massageavam nosso ego e de certa forma nos fazia um povo “especial”, “peculiar”, o “sacerdócio real”, a “nação santa”. Cada vez que nos esforçávamos para nos enquadrar no esquema proposto anulávamos nossas individualidades sem nos darmos conta disso.
Como já citei, várias são as estratégias de manipulação e controle da mente dos membros. Chegam ao ponto de confiscar pertences (instrumentos musicais, celulares, pen drives, livros...) momentaneamente e até por tempo indefinido. Como exemplo cito a época em que os jovens que trabalhavam na escola e tinham o privilégio do uso de celulares eram obrigados a deixá-los na secretaria para diminuir o risco de comunicação entre nós. Cito também o caso do filho do Eduardo, RG, que teve seu saxofone confiscado pela líder BL por longa data e acredito que ele ainda não o recebeu. Alguns abriam mão de seus pen drives, senhas e arquivos virtuais para serem fiscalizados e monitorados... Pacificamente nos submetíamos a todas essas desumanidades, pois do que importa “perder a própria vida para ganhar a alma”? Hoje sei que “perder a vida” e “fazer a vontade de Deus” tem significados completamente diferentes.
Desliguei-me da comunidade VV simplesmente por não aceitar mais o que descrevi acima. Dentre tudo o que já foi escrito nesse blog o que mais me entristece é a maneira medíocre que eles utilizam para manipular pessoas e situações. Os membros são manipulados e usados da maneira que os líderes querem e em minha opinião não há estratégia de difamação mais suja e baixa do que usar familiares e amigos para denegrirem a imagem dos que um dia decidem sair. Isso é o que eles fazem constantemente. Pais saem e seus filhos que permanecem são literalmente usados para difamarem de púlpito a memória da família. Filhos saem e seus pais também são usados. Cada vez que um membro se desliga ele é difamado e caluniado perante os que ficaram. Não há estratégia mais covarde...
Hoje entendo o caráter de Cristo e o quanto Ele nos deixa livres para realizarmos nossas escolhas. Em nenhum momento Ele nos obriga a nada e nunca nos pressiona a segui-Lo através da dominação, do medo e da castração mental.
Saí da comunidade em maio de 2009 e desde então não tenho nenhum contato com minha irmã. Sempre fomos grandes amigas e não havia segredos entre nós. Somos vizinhas. Ela é casada e tem 3 filhos e infelizmente sou impedida de manter qualquer tipo de comunicação com qualquer um deles. É dilacerante. As heréticas doutrinas da comunidade VV têm destruído nossa família.
Por: Juliana
Juliana é formada em Ciências Biológicas e atualmente é Pós-graduanda pela UFMG. Ela e sua mãe, Dona Irene, foram acolhidas com todo amor pelos Prs. Daniel e Marli Itaboraí. Juliana está agora reconstruindo sua vida após a perda do contato com parte da família.
Equipe do Blog Verdades Não Ditas